domingo, 23 de dezembro de 2012

Apresentação

Este blog propõe-se discutir as relações entre a produção literária no Brasil, desde os primeiros estágios de sua colonização até o advento do Romantismo, e o processo de formação de nossa nacionalidade. O conceito de Nação ganha forma no século dezenove, que é também o momento de constituição dos estados nacionais na Europa e nas antigas colônias. É também nesse momento que no Brasil começa-se a perguntar o que seria uma literatura nacional. O nacionalismo nas letras manifesta-se como uma recusa da colonização cultural e da importação de modelos estrangeiros, como foi o caso em alguns períodos de nossa história com o Romantismo, o Modernismo e mais recentemente com o Tropicalismo. Nesses momentos a busca por uma identidade cultural própria se acirra e na ânsia por uma "identidade brasileira" surgem discursos que podem levar a enganos já que a nação é uma construção idealizada, uma "comunidade imaginada", como disse Benedict Anderson, no sentido de que é uma abstração e, como tal, pode-se constituir em uma mistificação em torno de ideias fixas como as de essência e origem.
Portanto, ao perguntar-se por uma identidade nacional, tem-se que sempre ponderar que as culturas em todos os tempos imbricam-se, de modo que nenhuma é cultura é pura. Ao contrário, são todas hibridas, resultados de mesclas culturais que não remontam a nenhuma origem única. O Brasil é reconhecido por ser um lugar em que várias culturas se entrecruzaram, e continuam se entrecruzando, constituindo-se em um verdadeiro quebra-cabeça para os estudos culturais. O objetivo aqui proposto é o de refletir sobre as maneiras pelas quais as produções literárias do período colonial e dos primeiros instantes da nossa independência política já revelam os primeiros traços dessa busca por uma identidade nacional. 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Casimiro de Abreu e o ultrarromantismo




Com a proclamação da independência em 1822, os intelectuais brasileiros puderam criar uma nova imagem da nação, diferente da européia imposta automaticamente pelos portugueses no Brasil. Essa imagem ganhou força através de movimentos artísticos envolvendo arte e literatura, os quais muito contribuíram para a promoção de uma identidade baseada e composta pela cultura em que estava inserida. 
O Romantismo, dividido em três gerações, foi um dos movimentos literários que mais identificou os aspectos próprios do Brasil, não apenas por utilizarem um cenário típico, com florestas, cidades e sociedade literalmente brasileiras, mas também por fazerem uso de personagens cujas características retratavam o povo, representadas por índios, mulatos dentre outros. 
A segunda geração do Romantismo, representada por autores como Álvares de Azevedo (1831-1852) e Casimiro de Abreu (1837-1860), teve seu modelo espelhado no europeu, cujo maior ícone foi o boêmio Lord Byron. Esse modelo consistia em uma literatura obscura, marcada por extremos, a morte, o sentimentalismo e a mulher inalcançável eram as figuras mais presentes. Os escritores também viviam o que escreviam, adotavam hábitos noturnos e desregrados, o que ocasionava em morte prematura.
 Casimiro de Abreu muito contribuiu para com a valorização do cenário brasileiro na literatura, bem como colaborou com a criação de uma identidade embasada no que o país tem de melhor, a natureza. Essa valorização está estampada no poema Meus oito anos, um dos mais famosos do autor:

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

O autor utiliza figuras da vegetação para montar o cenário da sua infância, ocasionando um efeito estético no leitor remetendo-o aos arvoredos muito comuns no Brasil, como os laranjais e as bananeiras.  O autor ainda descreve o mar e o céu e, na imagem nostálgica da infância, filosofa sobre o mundo e a vida, perfeitos e desconhecidos.
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!

Casimiro de Abreu descreve o espaço geográfico, brinca com as frutas e com os insetos, harmoniza o ambiente com a sensibilidade de poeta que possui.

A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas

O autor faleceu com apenas 21 anos e teve uma única obra publicada em vida, “As primaveras” (1859), porém, através dessa poesia, podemos ver a extensão da sua contribuição para a formação da identidade brasileira na literatura. Cultivando o lirismo de expressão simples e ingênua e tratando sempre de temas como a Saudade e Amor, talvez possamos denominá-lo como o diferencial entre os poetas ultrarromânticos. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012




Iracema ou América?

Iracema é dessas obras que exalam sentimento patriótico, glorificam o país, é o modelo mais autêntico de prosa poética de nossa ficção romântica e um verdadeiro exemplo do nacionalismo ufanista e indianista, com o qual Alencar muito contribuiu com a construção da nossa literatura e também da nossa cultura.
Em Iracema, anagrama de América, podemos perceber a consciência social e cultural de Alencar diante do processo histórico de colonização da América, misturas de raças e culturas.
De acordo com Antônio Cândido (1981), o nacionalismo brasileiro ganhou maior relevância com a nossa independência política e com o Romantismo. A primeira desenvolveu um sentimento patriótico e a necessidade de uma literatura nacional, que contribuiria para mostrar a nossa capacidade e afirmar a nossa independência em relação a Portugal; a segunda se mostrou um aliado perfeito nessa conquista.

“Com efeito, a literatura foi considerada parcela dum esforço construtivo mais amplo, denotando o intuito de contribuir para a grandeza da nação. Manteve-se durante todo o Romantismo este senso de dever patriótico, que levava os escritores não apenas a cantar a sua terra, mas a considerar as suas obras como contribuição ao progresso. Construir uma “literatura nacional” é afã, quase divisa, proclamada nos documentos do tempo até se tornar enfadonha. (CÂNDIDO, 1981, p.10)

O nacionalismo literário foi de fato uma característica destacada no Romantismo, enfatizando a idealização da pátria, da natureza brasileira (da nossa fauna e flora), amor e saudade da pátria, enfim, há um profundo sentimento nacionalista.
Um dos temas que predominou na produção literária do nosso Romantismo foi o indianismo, tendo o índio como herói, valente e nobre, representante da nossa nação e símbolo da nossa liberdade.
A idealização extrema do índio e a valorização deste ser típico brasileiro foram muito bem trabalhadas por José de Alencar, que procurou expressar a realidade brasileira através de uma maneira muito particular de escrever, procurando refletir o espírito do nosso povo, seu vocabulário e sua maneira de falar.
“A forma reputada mais lídima de literatura nacional foi todavia, desde logo, o indianismo, [...] encontrou em Gonçalves Dias e José de Alencar representantes do mais alto quilate. As suas origens são óbvias: busca do específico brasileiro [...] além duma crescente utilização alegórica do aborígine na comemoração plástica e poética. Nas festas do Brasil joanino ele aparecia amplamente com este significado, representando o país com uma dignidade equiparável à das figuras mitológicas. O processo se intensifica a partir da Independência, pela adoção de nomes e atribuição de títulos indígenas; pela identificação do selvagem ao brio nacional e o seu aproveitamento plástico. [...] Segundo João Francisco Lisboa, um dos fatores do indianismo teria sido a natural reação contra os desmandos e violências do colonizador, por parte dos que estudavam o passado brasileiro”. (CÂNDIDO, 1981, p.18-19)

O legado de Alencar nos revela seu talento e seu ideal nacionalista, seu projeto literário consciente, sem falar na sua fecunda contribuição para a história literária e cultural do país. Em Iracema vemos a exaltação da natureza brasileira e da mitologia indígena, evidenciando as origens da nação brasileira, o cruzamento do branco com o índio, e o nascimento de Moacir, o primeiro brasileiro.
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas. (ALENCAR, 1994, p.09).

O início do romance já evidencia o caráter poético da linguagem utilizada e trabalhada por Alencar: o vocabulário, o ritmo e a musicalidade da frase, as figuras de linguagem, as descrições que valorizam o exuberante cenário nacional e outros tantos recursos característicos da poesia, através dos quais o autor recria a paisagem exuberante e idealizada da natureza brasileira.

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte,
nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais
negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha
recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. (ALENCAR, 1994, p. 10)

A descrição da virgem corrobora a identificação dela com a natureza brasileira: lábios de mel, cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que o talhe da palmeira, sorriso mais doce que o favo da jati, hálito mais perfumado que a baunilha, mais rápida que a ema selvagem. Podemos perceber que a natureza serve de modelo e comparação para a caracterização da personagem.
Contudo é preciso destacar que Alencar, através do romance entre Iracema e Martin, tematizou simbolicamente o processo de colonização da nação brasileira. Iracema representa o contato entre o branco e o índio, simboliza o cruzamento do nativo e do europeu colonizador, mas Alencar romantiza esse processo de dominação do segundo pelo primeiro, como podemos perceber no trecho abaixo:

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul
triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais
d'alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
— Quebras comigo a flecha da paz?
— Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?
— Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema. (ALENCAR, 1994, p. 11)

Percebemos aqui o ato de quebrar a flecha representando um sinal de paz entre as duas raças, e também, o homem branco já conhecedor da cultura dos índios. Além disso, nota-se que Alencar descreve os personagens e também retrata um Brasil mais ideal do que real, mais como ele gostaria que fossem do que como de fato eram.
A valorização da natureza, sem dúvida, ganha destaque na obra, mas cabe destacar que o romance é considerado histórico-indianista, pois, além da valorização da natureza brasileira e do índio, há um argumento histórico, a colonização do Ceará, que se deu em 1606, onde estão presentes personagens históricos como Martim (Martim Soares Moreno) e Poti (Antônio Felipe Camarão).


Referências
ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Scipione, 1994.
CÂNDIDO, A. Formação da Literatura Brasileira. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

GONÇALVES DIAS E O NACIONALISMO LITERÁRIO



O período depois do movimento arcádico se exprime através de dois fatores novos: A Independência Política e o Romantismo. Com a independência do Brasil, os anos subsequentes passaram por um problema relacionado à configuração de uma nova identidade, uma identidade própria, que tivesse uma imagem que o representasse, é possível afirmar esta idéia através do texto de Antonio Candido (1981):
A independência importa de maneira decisiva no desenvolvimento da idéia romântica, para a qual contribuiu pelo menos com três elementos que se podem considerar como redefinição de posições análogas do Arcadismo: (a) desejo de exprimir uma nova ordem de sentimentos [...]; (b) desejo de criar uma literatura independente, diversa [...] (c) a noção já referida de atividade intelectual não mais apenas como prova de valor brasileiro e esclarecimento mental do país , uma tarefa patriótica na construção nacional. (CANDIDO, 1981, p.11)

Neste sentido a literatura romântica ocupou um papel de destaque, pois constituiu uma literatura equivalente às européias, que buscava representar sua realidade própria mais voltada para a realidade brasileira, o que se chamava de “Literatura Nacional”. Mas o que era, para essa geração, o “nacional”?

Que se entendia por semelhante coisa? Para uns era a celebração da pátria, para outros o indianismo, para outros, enfim algo indefinível, mas que nos exprimisse. Ninguém saberia dizer com absoluta precisão; mas todos tinham uma noção aproximada, que podemos avaliar lendo as varias manifestações a respeito, algumas bastante compreensivas para abranger vários ou todos os temas reputados nacionais ( CANDIDO, 1981, p. 10)

Coube então à Primeira Geração Romântica, construir uma literatura cujas características traziam o nacionalismo, o patriotismo, o Indianismo e a forte religiosidade. Ou seja, os literatos dessa fase exaltavam o Brasil de forma exacerbada, escondiam as diferenças internas e transmitiam somente uma imagem idealizada de nossa sociedade.

Traziam em suas obras a figura do índio como um herói, espírito nobre, um ser de valores que representava honra, honestidade e lealdade. Cantavam em suas obras as belezas das palmeiras, as margens do Rio Amazonas, os costumes, a religião, as aves típicas como o sabiá e tudo de belo que possuía a região Brasileira.

Gonçalves Magalhães foi considerado o introdutor do Romantismo no Brasil com a publicação da obra Suspiros Poético e Saudades de 1836. Porém, quem realmente se consagrou como autor da primeira geração romântica foi Gonçalves Dias, que trazia a forte característica indianista em suas obras.
 
A forma reputada mais lídima da literatura nacional foi, todavia, desde logo, o indianismo que teve o momento áureo no meado do decênio de 40 ao decênio de 60 [...] Naquele momento encontrou em Gonçalves Dias e José de Alencar representantes do mais alto Quilate. (CANDIDO, 1981, p. 18)
 
O indianismo foi a forma mais reconhecida como literatura nacional, e a obra Primeiros Cantos de Gonçalves Dias, de 1846, decidiu o destino do indianismo. A partir daí a característica indianista se tornou para os contemporâneos a categoria que representava a poesia brasileira por excelência. Entre 1846 e 1865 surgiram os outros contos de Gonçalves Dias, entre eles: Os Timbiras, O Guarani, Iracema, A Confederação Dos Tamoios.

Gonçalves Dias inventava ou realçava aspectos do comportamento do índio que pudesse destacar nele o cavalheirismo e a generosidade. Trazia em suas obras uma visão do índio como lenda e como história. O valor dos costumes, as crenças, as tradições se misturam maravilhosamente em seus poemas.

Cláudio Manuel da Costa e o nativismo

Cláudio Manuel da Costa, escritor brasileiro teve grande importância e expressiva contribuição para a formação e consolidação de uma literatura nacional ao expressar características do Brasil em sua obra, através da representação de traços do que viria a se chamar de “nativismo” em nossa literatura. Criava-se a partir disso uma literatura que poderia chamar-se de autônoma, na qual se via, ao lado das características europeias na forma de escrever, mas a valorizção da literatura como uma forma de promover o desenvolvimento do local. Como escreve Antonio Candido:
 
Nesse processo verificamos o intuito de praticar a literatura, ao mesmo tempo, como atividade desinteressada e como instrumento, utilizando-a ao modo de um recurso de valorização do país – quer no ato de fazer aqui o mesmo que se fazia na Europa culta, quer exprimindo a realidade local. ( CANDIDO, 1981.p.9)
 
Seguindo esta ideia de valorização da pátria, o poeta Cláudio Manuel da Costa passou pela transição entre o estilo Barroco e o Árcade, abraçando este último como forma para escrever, com características do bucolismo literário, o qual, entretanto, não retratava o lócus amoenus da convenção neo-clássica, mas sim a natureza áspera e rude das pasisagens mineiras. O cenário rochoso de Minas é uma constante em seus versos que expressam mortificação interior causada pelo contraste entre o rústico mineiro e a experiência cultural europeia, como no soneto VIII:
 
Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.
Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.
Oh quão lembrado estou de haver subido 
Aquele monte, e as vezes, que baixando 
Deixei do pranto o vale umedecido!
Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.

Ao falarmos de Literatura Brasileira, pensamos em como ocorreu a formação da literatura brasileira, de que maneira deu-se o seu início e continuidade, e para falarmos sobre este assunto, tomamos como base o autor Antônio Cândido em seu livro “Formação da Literatura brasileira”

Antônio Cândido aborda em seu capitulo “ O nacionalismo Literário” a forma como a Literatura surgiu e consolidou-se no Brasil:
 
O movimento arcádico significou, no Brasil, incorporação, da atividade intelectual aos padrões europeus tradicionais, ou seja, a um sistema expressivo, segundo o qual se havia forjado a literatura, ao mesmo tempo, como atividade desinteressada e como instrumento, utilizando-a ao modo de um recurso de valorização do país- quer no ato de fazer aqui mesmo que se fazia na Europa culta, quer exprimindo a realidade local. ( CANDIDO, 1981.p.9)

Um outro momento das construções poéticas deste autor em que vemos claramente o nativista é o seu poema intitulado “Vila Rica”, o qual fala de todas as riquezas que esta cidade possuía, os seus elementos materiais, mas acima de tudo valorizava os elementos naturais, característica de seu poema:

"Já desde quando no projeto vinhas

De encontrar as preciosas esmeraldas,

Eu te esperava deste monte às faldas.

O Deus destes tesouros impedia

Até aqui descobri-los, e fingia

Meu rosto aos homens tão escuro e feio

Por que infundisse em todos o receio."

(Vila Rica. Canto VIII, v.189-195)



Referências:

CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira, 2 vol. Belo Horizonte:Livraria. Itatiaia, 1981

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A contribuição da poesia de Gregório de Matos para a criação de um sentimento nacionalista

A criação de uma literatura autônoma que melhor expressasse o Brasil foi uma das grandes missões do Romantismo em sua 1ª geração. Os escritores da época nutriam o objetivo em comum de desenvolver uma literatura independente da que era produzida na antiga Metrópole, Portugal. Nesse sentido, queriam criar o orgulho patriótico através de suas obras. Esse sentimento foi manifestado através da prosa (na qual temos como grande representante o escrito José de Alencar, com seus romances indianistas “O Guarani” e “Iracema”, que fortalecem a imagem do índio como o mais verdadeiro herói brasileiro), e da poesia, na qual também são encontrados temas indianistas, principalmente em obras de Gonçalves Dias, considerado o pai da literatura nacional.

Nesta questão de fortalecer a identidade nacionalista através da literatura, o poeta baiano Gregório de Matos merece reconhecimento. Embora se olhe com mais atenção à literatura ufanista da Primeira Geração do Romantismo, Gregório de Matos, que se insere no período do Barroco, também contribuiu para a criação de uma identidade nacional na literatura brasileira.

Ainda que muitas de suas obras sigam os modelos estabelecidos de acordo com moldes europeus, vê-se nitidamente em suas poesias satíricas um retrato da sociedade da época. Gregório de Matos criticava, em suas poesias, personalidades de Salvador e da Bahia. Com isso, o poeta fazia um retrato brasileiro da época.
No entanto, a produção poética de Gregório de Matos não pode ser considerada uma poesia nacionalista realmente. Enquanto Gregório de Matos escrevia, o Brasil continuava a ser colônia de Portugal. Apesar disso, o escritor contribuiu para que a literatura brasileira começasse a desenvolver um sentimento nativista. Esse nativismo se acentuou, de fato, e evoluiu para um sentimento de nacionalismo após a independência do Brasil, em 1822, a partir do trabalho dos nossos escritores românticos.

O trabalho de criação de uma literatura essencialmente nacional foi árduo. Nesse sentido, a contribuição de Gregório de Matos, ainda que pertencente ao estilo Barroco, foi fundamental. Candido (2006) é taxativo ao afirmar que “nossa literatura, tomado o termo tanto no sentido restrito quanto amplo, tem [...] consistido numa superação constante de obstáculos” (p. 117).

Os obstáculos mencionados por Candido referem-se a diversos fatores, principalmente ao fato de o Brasil ser ainda um país jovem.

O intelectual brasileiro[...]se encontra todavia ante particularidades de meio, raça e história nem sempre correspondentes aos padrões europeus que a educação lhe propõe, e que por vezes se elevam em face deles como elementos divergentes, aberrantes. A referida dialética e, portanto, grande parte da nossa dinâmica espiritual, se nutrem deste dilaceramento, que observamos desde Gregório de Matos no século XVII, ou Cláudio Manuel da Costa no século XVIII, até o sociologicamente expressivo grito imperioso de brancura em mim de Mário de Andrade, — que exprime, sob a forma de um desabafo individual, uma ânsia coletiva de afirmar componentes europeus da nossa formação. (CANDIDO, 2006, p. 117)

Apesar de se situar ainda no período Barroco, surge com Gregório de Matos uma negação do estilo português, ressaltando a identidade brasileira. Como reconheceu Candido, a criação de uma personalidade nacional dependeu de uma lenta maturação. “[...] a princípio não nos destacávamos dos nossos pais portugueses” (Candido, 2006, p. 114). Com a criação de uma consciência quanto à diversidade nacional, aconteceu um movimento de “auto-afirmação” (Candido, 2006, p. 114). Com esse movimento, os portugueses criaram um sentimento de ressentimento “ao ver afirmar-se com autonomia um fruto seu” (p.114). Aqui, mais uma vez o papel de Gregório de Matos nesta auto-afirmação foi frisada pelo pesquisador. 
Os respectivos estereótipos se formaram lentamente. Do lado brasileiro, o "magano de Portugal" prenuncia, desde Gregório de Matos, o "marinheiro" dos dias da Independência e da Regência, o "galego" do Naturalismo e de todo o anedotário desenvolvido até os nossos dias, culminando, como última manifestação, na diatribe grosseira e ingênua de Antônio Torres, em As razões da Inconfidência (1925). (CANDIDO, 2006, p.114)

Aqui segue a poesia “Poema a um Estudante”, no qual é possível detectar algumas situações do cotidiano soteropolitano do século XVII.

(Poema a um estudante)
Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.
Presumir de dançar, contar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao moço do seu trato,
Furtar a carne à ama que promete.
A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.
Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.



Referências Bibliográficas


CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.