A criação de uma literatura autônoma que melhor expressasse o Brasil foi uma das grandes missões do Romantismo em sua 1ª geração. Os escritores da época nutriam o objetivo em comum de desenvolver uma literatura independente da que era produzida na antiga Metrópole, Portugal. Nesse sentido, queriam criar o orgulho patriótico através de suas obras. Esse sentimento foi manifestado através da prosa (na qual temos como grande representante o escrito José de Alencar, com seus romances indianistas “O Guarani” e “Iracema”, que fortalecem a imagem do índio como o mais verdadeiro herói brasileiro), e da poesia, na qual também são encontrados temas indianistas, principalmente em obras de Gonçalves Dias, considerado o pai da literatura nacional.
Nesta questão de fortalecer a identidade nacionalista através da literatura, o poeta baiano Gregório de Matos merece reconhecimento. Embora se olhe com mais atenção à literatura ufanista da Primeira Geração do Romantismo, Gregório de Matos, que se insere no período do Barroco, também contribuiu para a criação de uma identidade nacional na literatura brasileira.
Ainda que muitas de suas obras sigam os modelos estabelecidos de acordo com moldes europeus, vê-se nitidamente em suas poesias satíricas um retrato da sociedade da época. Gregório de Matos criticava, em suas poesias, personalidades de Salvador e da Bahia. Com isso, o poeta fazia um retrato brasileiro da época.
No entanto, a produção poética de Gregório de Matos não pode ser considerada uma poesia nacionalista realmente. Enquanto Gregório de Matos escrevia, o Brasil continuava a ser colônia de Portugal. Apesar disso, o escritor contribuiu para que a literatura brasileira começasse a desenvolver um sentimento nativista. Esse nativismo se acentuou, de fato, e evoluiu para um sentimento de nacionalismo após a independência do Brasil, em 1822, a partir do trabalho dos nossos escritores românticos.
O trabalho de criação de uma literatura essencialmente nacional foi árduo. Nesse sentido, a contribuição de Gregório de Matos, ainda que pertencente ao estilo Barroco, foi fundamental. Candido (2006) é taxativo ao afirmar que “nossa literatura, tomado o termo tanto no sentido restrito quanto amplo, tem [...] consistido numa superação constante de obstáculos” (p. 117).
Os obstáculos mencionados por Candido referem-se a diversos fatores, principalmente ao fato de o Brasil ser ainda um país jovem.
O intelectual brasileiro[...]se encontra todavia ante particularidades de meio, raça e história nem sempre correspondentes aos padrões europeus que a educação lhe propõe, e que por vezes se elevam em face deles como elementos divergentes, aberrantes. A referida dialética e, portanto, grande parte da nossa dinâmica espiritual, se nutrem deste dilaceramento, que observamos desde Gregório de Matos no século XVII, ou Cláudio Manuel da Costa no século XVIII, até o sociologicamente expressivo grito imperioso de brancura em mim de Mário de Andrade, — que exprime, sob a forma de um desabafo individual, uma ânsia coletiva de afirmar componentes europeus da nossa formação. (CANDIDO, 2006, p. 117)
Apesar de se situar ainda no período Barroco, surge com Gregório de Matos uma negação do estilo português, ressaltando a identidade brasileira. Como reconheceu Candido, a criação de uma personalidade nacional dependeu de uma lenta maturação. “[...] a princípio não nos destacávamos dos nossos pais portugueses” (Candido, 2006, p. 114). Com a criação de uma consciência quanto à diversidade nacional, aconteceu um movimento de “auto-afirmação” (Candido, 2006, p. 114). Com esse movimento, os portugueses criaram um sentimento de ressentimento “ao ver afirmar-se com autonomia um fruto seu” (p.114). Aqui, mais uma vez o papel de Gregório de Matos nesta auto-afirmação foi frisada pelo pesquisador.
Os respectivos estereótipos se formaram lentamente. Do lado brasileiro, o "magano de Portugal" prenuncia, desde Gregório de Matos, o "marinheiro" dos dias da Independência e da Regência, o "galego" do Naturalismo e de todo o anedotário desenvolvido até os nossos dias, culminando, como última manifestação, na diatribe grosseira e ingênua de Antônio Torres, em As razões da Inconfidência (1925). (CANDIDO, 2006, p.114)
Aqui segue a poesia “Poema a um Estudante”, no qual é possível detectar algumas situações do cotidiano soteropolitano do século XVII.
Referências Bibliográficas
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
Aqui segue a poesia “Poema a um Estudante”, no qual é possível detectar algumas situações do cotidiano soteropolitano do século XVII.
(Poema a um estudante)
Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.
Presumir de dançar, contar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao moço do seu trato,
Furtar a carne à ama que promete.
A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.
Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.
Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.
Presumir de dançar, contar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao moço do seu trato,
Furtar a carne à ama que promete.
A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.
Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto é ser estudante.
Referências Bibliográficas
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
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