segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Casimiro de Abreu e o ultrarromantismo




Com a proclamação da independência em 1822, os intelectuais brasileiros puderam criar uma nova imagem da nação, diferente da européia imposta automaticamente pelos portugueses no Brasil. Essa imagem ganhou força através de movimentos artísticos envolvendo arte e literatura, os quais muito contribuíram para a promoção de uma identidade baseada e composta pela cultura em que estava inserida. 
O Romantismo, dividido em três gerações, foi um dos movimentos literários que mais identificou os aspectos próprios do Brasil, não apenas por utilizarem um cenário típico, com florestas, cidades e sociedade literalmente brasileiras, mas também por fazerem uso de personagens cujas características retratavam o povo, representadas por índios, mulatos dentre outros. 
A segunda geração do Romantismo, representada por autores como Álvares de Azevedo (1831-1852) e Casimiro de Abreu (1837-1860), teve seu modelo espelhado no europeu, cujo maior ícone foi o boêmio Lord Byron. Esse modelo consistia em uma literatura obscura, marcada por extremos, a morte, o sentimentalismo e a mulher inalcançável eram as figuras mais presentes. Os escritores também viviam o que escreviam, adotavam hábitos noturnos e desregrados, o que ocasionava em morte prematura.
 Casimiro de Abreu muito contribuiu para com a valorização do cenário brasileiro na literatura, bem como colaborou com a criação de uma identidade embasada no que o país tem de melhor, a natureza. Essa valorização está estampada no poema Meus oito anos, um dos mais famosos do autor:

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

O autor utiliza figuras da vegetação para montar o cenário da sua infância, ocasionando um efeito estético no leitor remetendo-o aos arvoredos muito comuns no Brasil, como os laranjais e as bananeiras.  O autor ainda descreve o mar e o céu e, na imagem nostálgica da infância, filosofa sobre o mundo e a vida, perfeitos e desconhecidos.
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!

Casimiro de Abreu descreve o espaço geográfico, brinca com as frutas e com os insetos, harmoniza o ambiente com a sensibilidade de poeta que possui.

A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas

O autor faleceu com apenas 21 anos e teve uma única obra publicada em vida, “As primaveras” (1859), porém, através dessa poesia, podemos ver a extensão da sua contribuição para a formação da identidade brasileira na literatura. Cultivando o lirismo de expressão simples e ingênua e tratando sempre de temas como a Saudade e Amor, talvez possamos denominá-lo como o diferencial entre os poetas ultrarromânticos. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012




Iracema ou América?

Iracema é dessas obras que exalam sentimento patriótico, glorificam o país, é o modelo mais autêntico de prosa poética de nossa ficção romântica e um verdadeiro exemplo do nacionalismo ufanista e indianista, com o qual Alencar muito contribuiu com a construção da nossa literatura e também da nossa cultura.
Em Iracema, anagrama de América, podemos perceber a consciência social e cultural de Alencar diante do processo histórico de colonização da América, misturas de raças e culturas.
De acordo com Antônio Cândido (1981), o nacionalismo brasileiro ganhou maior relevância com a nossa independência política e com o Romantismo. A primeira desenvolveu um sentimento patriótico e a necessidade de uma literatura nacional, que contribuiria para mostrar a nossa capacidade e afirmar a nossa independência em relação a Portugal; a segunda se mostrou um aliado perfeito nessa conquista.

“Com efeito, a literatura foi considerada parcela dum esforço construtivo mais amplo, denotando o intuito de contribuir para a grandeza da nação. Manteve-se durante todo o Romantismo este senso de dever patriótico, que levava os escritores não apenas a cantar a sua terra, mas a considerar as suas obras como contribuição ao progresso. Construir uma “literatura nacional” é afã, quase divisa, proclamada nos documentos do tempo até se tornar enfadonha. (CÂNDIDO, 1981, p.10)

O nacionalismo literário foi de fato uma característica destacada no Romantismo, enfatizando a idealização da pátria, da natureza brasileira (da nossa fauna e flora), amor e saudade da pátria, enfim, há um profundo sentimento nacionalista.
Um dos temas que predominou na produção literária do nosso Romantismo foi o indianismo, tendo o índio como herói, valente e nobre, representante da nossa nação e símbolo da nossa liberdade.
A idealização extrema do índio e a valorização deste ser típico brasileiro foram muito bem trabalhadas por José de Alencar, que procurou expressar a realidade brasileira através de uma maneira muito particular de escrever, procurando refletir o espírito do nosso povo, seu vocabulário e sua maneira de falar.
“A forma reputada mais lídima de literatura nacional foi todavia, desde logo, o indianismo, [...] encontrou em Gonçalves Dias e José de Alencar representantes do mais alto quilate. As suas origens são óbvias: busca do específico brasileiro [...] além duma crescente utilização alegórica do aborígine na comemoração plástica e poética. Nas festas do Brasil joanino ele aparecia amplamente com este significado, representando o país com uma dignidade equiparável à das figuras mitológicas. O processo se intensifica a partir da Independência, pela adoção de nomes e atribuição de títulos indígenas; pela identificação do selvagem ao brio nacional e o seu aproveitamento plástico. [...] Segundo João Francisco Lisboa, um dos fatores do indianismo teria sido a natural reação contra os desmandos e violências do colonizador, por parte dos que estudavam o passado brasileiro”. (CÂNDIDO, 1981, p.18-19)

O legado de Alencar nos revela seu talento e seu ideal nacionalista, seu projeto literário consciente, sem falar na sua fecunda contribuição para a história literária e cultural do país. Em Iracema vemos a exaltação da natureza brasileira e da mitologia indígena, evidenciando as origens da nação brasileira, o cruzamento do branco com o índio, e o nascimento de Moacir, o primeiro brasileiro.
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas. (ALENCAR, 1994, p.09).

O início do romance já evidencia o caráter poético da linguagem utilizada e trabalhada por Alencar: o vocabulário, o ritmo e a musicalidade da frase, as figuras de linguagem, as descrições que valorizam o exuberante cenário nacional e outros tantos recursos característicos da poesia, através dos quais o autor recria a paisagem exuberante e idealizada da natureza brasileira.

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte,
nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais
negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha
recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. (ALENCAR, 1994, p. 10)

A descrição da virgem corrobora a identificação dela com a natureza brasileira: lábios de mel, cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que o talhe da palmeira, sorriso mais doce que o favo da jati, hálito mais perfumado que a baunilha, mais rápida que a ema selvagem. Podemos perceber que a natureza serve de modelo e comparação para a caracterização da personagem.
Contudo é preciso destacar que Alencar, através do romance entre Iracema e Martin, tematizou simbolicamente o processo de colonização da nação brasileira. Iracema representa o contato entre o branco e o índio, simboliza o cruzamento do nativo e do europeu colonizador, mas Alencar romantiza esse processo de dominação do segundo pelo primeiro, como podemos perceber no trecho abaixo:

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul
triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais
d'alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
— Quebras comigo a flecha da paz?
— Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?
— Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema. (ALENCAR, 1994, p. 11)

Percebemos aqui o ato de quebrar a flecha representando um sinal de paz entre as duas raças, e também, o homem branco já conhecedor da cultura dos índios. Além disso, nota-se que Alencar descreve os personagens e também retrata um Brasil mais ideal do que real, mais como ele gostaria que fossem do que como de fato eram.
A valorização da natureza, sem dúvida, ganha destaque na obra, mas cabe destacar que o romance é considerado histórico-indianista, pois, além da valorização da natureza brasileira e do índio, há um argumento histórico, a colonização do Ceará, que se deu em 1606, onde estão presentes personagens históricos como Martim (Martim Soares Moreno) e Poti (Antônio Felipe Camarão).


Referências
ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Scipione, 1994.
CÂNDIDO, A. Formação da Literatura Brasileira. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.